quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O inverno do nosso tempo

Ok, vamos lá. Durante alguns dias fiquei me perguntando por onde iria começar esse blog. Precisava de um tema íntimo e universal. De algo arrebatador e sutil. Algo que faça parte da minha vida nesse momento. [...] Acontece que eu penso demais, crio múltiplas possibilidades e depois esqueço de todas. Eu e mais uma dúzia de amigos acreditamos que seja em função do Mercúrio em Gêmeos em meu Mapa Astral. Outros, mais céticos, também acreditam, mas preferem recriminar os amantes do Personare. A questão é: nesses últimos tempos, como eu penso demais, o que mais tem feito parte da minha vida é tentar não pensar, ou melhor, faxinar certos pensamentos. Comecei o ano com esse propósito, pois ao esvaziar e reorganizar as coisas que costumam ficar engavetadas por anos, você se reencontra. Partindo desse princípio dei de cara com inúmeros papéis inúteis, cartas de amor (que já não representam a realidade), desenhos, textos, livros sem dedicatórias e souvernirs de todas as partes do mundo. A maioria são objetos realmente inúteis e poderiam ser jogados fora, mas sou canceriana e guardo tudo - vejo claramente a expressão nos rostos dos amigos céticos após esse comentário. Mas, deixando a astrologia de lado, na verdade guardo porque ao reler as cartas dos meus antigos amantes eu lembro o quanto fui amada e, posteriormente, odiada ou magoada. Dos meus muitos cadernos escritos e desenhados percebo o quanto cometo erros constantemente - uma vez notei que tinha sido babaca com um cara anos depois do acontecido e já não tinha mais coragem de reaparecer com o rabo entre as pernas pedindo desculpas. Ficou por isso mesmo. Melhor assim. Tudo bem que nutrir esse tipo de orgulho também é ser meio babaca... Ou é se dar mais importância do que realmente temos no mundo... 
Chega de fluxo de pensamentos, o fato é: nessas aventuras pelas minhas bagunças encontrei um texto do meu professor de História do colégio. Não era um texto qualquer nem ele era um professor qualquer. Miguel era um professor-amigo, daqueles que conseguem colocar de lado toda a postura autoritária do mestre em sala e te cativar pela humanidade. Era uma aula da saudade de uma turma que nem era minha, mas fui lá despretensiosamente pegar a rebarba da despedida e do chorôrô pra já ir treinando pro ano seguinte, quando ele começou uma aula sobre dialética e nos apresentou três conceitos: a tese, a antítese e a síntese. Nada demais até aí, mas ocorre que a humanidade traz algo fundamental dentro de si: a simplicidade. Da forma mais simples e humana ele tirou uma coletânea de Cartola da bolsa e deixou rodar a primeira música: "Preciso me encontrar". Eis a tese. A percepção daquele que precisa abandonar para encontrar seu caminho, que não está completamente feliz, pois o processo de mudança traz consigo medos e angústias, mas que embebido pelo espírito do novo, vai tateando como um cego em uma casa desconhecida até descobrir onde estão posicionados todos os móveis. Obviamente o leve chorôrô a essa altura já tinha se tornado pranto. Eu, mais obviamente ainda, estava tão desolada como os demais presentes, mas só pelo prazer de me sentir incluída.
Então ele deu play novamente e deixou a melodia ecoar na sala quase silenciosa, abafando os soluços e os gemidos: "O mundo é um moinho". A antítese. Quem vai sempre abandona alguém e o ser abandonado, por mais orgulhoso ou babaca que seja, sempre tenta convencer o outro a ficar, mesmo sabendo que não é o melhor para os dois. O amor só existe com liberdade. Então tínhamos um cenário montado: os soluços dos choros, a voz de Cartola ao fundo e olhares claramente perdidos. Olhares de quem está prestes a se separar e precisa aproveitar os últimos minutos. Para acalmar nossas dores - a essas alturas eu já me sentia uma das abandonadas - ele nos deu a síntese. Lentamente ouvimos um dedilhar suave nas cordas do violão e a voz que agora nos era conhecida a dizer suavemente:

"Surge a Alvorada / Folhas a voar / E o inverno do meu tempo começa a brotar, a minar / E os sonhos do passado, no passado estão presentes / E o amor que não envelhece jamais / E eu tenho paz e ela tem paz..."

Naquele momento Miguel também chorava e não explicava mais nada. Ali, naquele espaço de tempo, não só os olhares se cruzaram, mas as vivências e os sentimentos. Em algum momento estivemos juntos e foi bom. Acabaria em breve, mas tinha sido bom. Ficaríamos sempre marcados um no outro, independente dos caminhos que iríamos escolher. Essa era a única razão plausível para deixar alguém fazer parte da sua vida.
Miguel não sabia, mas naquele dia ele não só nos ensinou dialética ou nos acrescentou musicalmente. Naquele dia ele nos ensinou - como só uma pessoa realmente bela pode fazer - qual era o motor impulsionador da vida. E o fez com a maestria do PHD mais soberbo, mas sem tirar o sorriso do rosto.